O tema hoje é abuso de poder de disciplina contra crianças e adolescentes.
Recebemos a pergunta do título da nossa leitora Lorena S., de Uberlândia-MG.
O tema de hoje é bastante polêmico e tornou-se ainda mais controvertido após a promulgação da Lei da Palmada – Lei 13.010/24.
Afinal, os responsáveis legais pela criança ou adolescente podem se valer de agressão física como meio para educar e disciplinar os menores?
Dispõe o art. 18-A do Estatuto da Criança e do Adolescente –ECA, acrescido pela da Lei da Palmada, disciplina que:
Portanto, qualquer castigo físico, a priori, poderia ensejar na aplicação do art. 18-A combinado com o crime de maus-tratos, disposto no art. 136 do Código Penal Brasileiro.
Art. 136, CP - “Expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia, quer privando-a de alimentação ou cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado, quer abusando de meios de correção ou disciplina [...]”
“Eu apanhei quando era criança e hoje sou um adulto completamente disciplinado. Tudo isso é bobagem.” – comentário comum de um leitor hipotético quando esse tema é debatido nas redes sociais.
Importante destacar que o Direito Penal vigora em observância ao Princípio da Intervenção Mínima ou Ultima Ratio (último recurso) e só interfere nas vidas pessoais dos cidadãos em circunstâncias graves e impossíveis de serem tuteladas de outra maneira. Desta forma, não será uma palmada no bumbum do seu filho que lhe fará responder um processo criminal.
Defendo a doutrina de que a lei foi elaborada para casos graves de abuso de poder de disciplina, com vistas a preservar a incolumidade física e psicológica das crianças e dos adolescentes.
Neste sentido, destaco um julgado recentíssimo (28.04.17) do Tribunal de Justiça do Estado do Mato grosso, no qual um tio foi condenado por lesionar dolosamente a sua sobrinha “mediante chineladas e socos”, observem:
“Consta que, em 17/6/2015, na rua Porto Carrero, 661, bairro Centro, na cidade e comarca de Cáceres, o apelado Alan Richard de Souza Neto foi acusado de lesionar dolosamente a integridade física da sobrinha [N. V. A. N. P.], de 14 anos de idade, portadora de necessidades especiais, mediante chineladas e socos, nos termos do laudo pericial de fls. 20/21, e mapa topográfico de fl. 22, porque "incomodou-se com os gritos da vítima que não conseguia ligar um computador" (sic denúncia, fl. 05).”
Segue a ementa do julgado:
APELAÇÃO CRIMINAL – LESÃO CORPORAL PRATICADA NO ÂMBITO DOMÉSTICO-FAMILIAR CONTRA A SOBRINHA – ABSOLVIÇÃO – PRETENDIDA CONDENAÇÃO - PARCIAL PROCEDÊNCIA - EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO - NÃO CONSTATAÇÃO - ANIMUS CORRIGENDI VEL DISCIPLINANDI - DESCLASSIFICAÇÃO DAS LESÕES CORPORAIS PARA O DELITO DE MAUS-TRATOS – NECESSIDADE - LEI DA PALMADA OU LEI MENINO BERNARDO - APLICAÇÃO DA PENA DE MULTA – APELO PARCIALMENTE PROVIDO - CONDENAÇÃO DECRETADA. O abuso do poder de disciplina e de correção da criança e do adolescente, por pais ou outros responsáveis jurídicos ou de fato, legitima a condenação por maus-tratos, a teor do que preleciona o art. 136, caput, do CP, e sua combinação com os arts. 18-A e 18-B do Estatuto da Criança e do Adolescente, na redação dada pela Lei Federal n.º 13.010/2014. Apelo provido em parte. (Ap 117145/2016, DES. JUVENAL PEREIRA DA SILVA, TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL, Julgado em 14/12/2016, Publicado no DJE 23/01/2017)
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