- Zanone Fraissat/FolhapressGrafites em muro da avenida 23 de Maio, em SP
Os muros da avenida 23 de Maio, na cidade de São Paulo, já foram considerados a maior obra de grafite da América Latina. Em 2015, o local tinha mais de cinco quilômetros de paredes grafitadas.
No início deste ano, as paredes da 23 de Maio ficaram mais cinzas. O prefeito João Doria decidiu apagar os grafites, em uma ação que faz parte do programa Cidade Linda, que visa combater a poluição visual. Apenas oito obras foram mantidas na avenida. As obras remanescentes foram escolhidas pelo seu estado de conservação, definindo que seriam apagados grafites que tivessem pichações por cima.
A ação causou muita polêmica. Ativista consideraram a retirada dos grafites um ato arbitrário da Prefeitura de São Paulo, que não teria o entendimento do valor da arte de rua. Com o pretexto de embelezar a cidade, muitas obras de arte foram apagadas e taxadas como pichação. Como reação, pichadores deixaram recados ao prefeito em vários pontos da cidade. O mural do grafiteiro e muralista Eduardo Kobra, na avenida 23 de Maio, foi pichado em protesto contra o apagamento de outras ilustrações.
Após a polêmica, o prefeito voltou atrás em algumas decisões e anunciou um projeto para permitir a pintura de murais de grafite na cidade, como um “museu de arte de rua a céu aberto”. Na proposta, um grupo de grafiteiros receberá recursos da prefeitura para fazer intervenções em pontos previamente escolhidos da cidade.
"Nós não vamos admitir a presença de pichadores. Respeitaremos os muralistas e grafiteiros. Se eles pensam que com ataques, com pichações vão inibir a ação do prefeito, ao contrário, a perseverança só aumenta para defender a cidade", disse Doria.
Em fevereiro, Doria sancionou uma lei antipichação. Quem pichar imóveis públicos ou privados na cidade pagará multa de R$ 5.000 a R$ 10 mil. No início do ano, dezenas de pichadores foram detidos pela polícia.
A prefeitura também passou a considerar o grafite como manifestação artística, mas só vai permitir aqueles feitos com autorização do proprietário do bem privado ou com autorização de órgão competente, no caso de bem público.
A confusão entre grafite e pichação
Qual é a diferença entre grafite e pichação? Ambas são pinturas feitas com tintas spray ou de latas. Ambas são manifestações que nasceram no século XX, dentro de uma produção cultural urbana. No entanto, uma é mais aceito que a outra.
A palavra "Grafite" deriva do italiano grafitto, usualmente é conceituado como "inscrição ou desenho de épocas antigas, toscamente riscado à ponta ou a carvão, em rochas, paredes, vasos etc.". Um grafismo seria um desenho ou imagem.
No dicionário Aurélio, pichação possui "caráter político, escrito em muro de via pública". É associado à palavra, mas na prática, nem toda pichação busca transmitir uma mensagem política.
A principal diferença é que a pichação advém da escrita, enquanto o grafite está diretamente relacionado à imagem.
A distinção entre as práticas do grafite e da pichação é algo que acontece especificamente no Brasil. Em países como os Estados Unidos e Colômbia, as duas práticas possuem a mesma nomenclatura: grafite, relacionado a qualquer transcrição feita na arquitetura urbana.
Em São Paulo, a pichação é conhecida por seus praticantes como "pixo", sem o uso da norma culta. Em geral, o "pixo" são assinaturas do apelido do grafiteiro, o nome de um grupo ou um alfabeto (tipografia). Elas foram adotadas por uma parcela de jovens da periferia.
Essa linguagem sempre despertou muita polêmica. A pichação é arte? Uma grande parcela da população não considera esta manifestação estética como algo belo. Essa forma de expressão é comumente associada ao vandalismo, delinquência e poluição visual.
Já o grafite também nasceu nas ruas e sempre transitou por esferas de marginalidade da transgressão. Cada vez mais, o grafite ganha legitimidade, é reconhecido como arte pela sociedade. É associado a uma prática artística urbana, que tem como principal aspecto a cidade como dispositivo ou "tela".
Para defensores do "pixo", uma obra não precisa ser necessariamente bela ou autorizada para ser considerada arte. Outros acreditam que o "pixo" seria um tipo de intervenção e performance, rápida e transgressora.
O estilo de "pixo" de São Paulo tem sido objeto de estudo. A pichação paulista conhecida como “Tag Reto” se tornou um estilo de letra com elementos originais e únicos no mundo. Esse estilo de letra é caracterizado por letras retas, alongadas e pontiagudas, que procuram ocupar o maior espaço possível no suporte.
Uma arte marginal em sua raiz
O primeiro grafite foi registrado no movimento de contracultura parisiense de 1968. Seus adeptos inscreveram em diversos muros daquela cidade mensagens de cunho político. Mas naquele contexto, os muros eram pichados para transmitir mensagens políticas e de contestação.
O ato de grafitar se popularizou nos Estados Unidos durante a década de 1970, especialmente na cidade de Nova York, considerada o berço dessa expressão artística, eu trazia novas características. Ele surgiu dentro de grupos de jovens que viviam nos guetos e periferias e se organizavam em grupos chamados crews.
Eles buscavam deixar a “marca” ou o nome do grupo na cidade, pichando muros, trens, prédios, chãos e monumentos. Circular pela cidade era uma forma de expressão pessoal, mas também de conquista de respeito no grupo. Quanto mais arriscada ou maior a visibilidade do grafite, maior era o prestígio de seu autor.
No Brasil, a prática do grafite foi incorporada na década de 70, influenciada por artistas norte-americanos. As técnicas de pintura e as referências visuais foram trazidas por artistas de classe média de São Paulo, como os pioneiros Alex Vallauri e Rui Amaral, que tinham contato com o que era produzido em Nova York. Na época, o que estava em voga eram os stêncils inspirados pela estética da pop art.
Durante a década de 1980, o grafite foi inserido como um dos elementos fundamentais do movimento Hip Hop. Em São Paulo, artistas como Os Gêmeos, Binho, Speto, Tinho e Onesto frequentavam a cena cultural do Hip Hop e muitas vezes grafitavam de forma coletiva.
A partir dos anos 2000, artistas do grafite chamaram a atenção das galerias brasileiras e ganharam mais espaço no mercado de arte. A maior projeção foi dos artistas OsGêmeos, eu começaram a grafitar na rua e ganharam projeção internacional. Eles chegaram a pintar murais gigantes em diversos países, entraram em galerias e museus e foram parar na fachada do avião da seleção brasileira.
A contradição rua versus galerias de arte
Enquanto o pixo permanece como um símbolo de vandalismo, e seus praticantes considerados marginais, o grafite adquire conotação de arte. Estar dentro de uma galeria tem um poder simbólico: o reconhecido valor por uma parcela da sociedade que se relaciona com o mercado da “alta” cultura.
O primeiro grafiteiro a expor em uma galeria foi Jean Michel-Basquiat, no final da década de 70. Ele começou a fazer grafites em prédios abandonados de Nova York e ganhou notoriedade mundial quando seus desenhos foram expostos em galerias de artes com a chancela de Andy Warhol, ícone da arte contemporânea. Outro ícone dessa geração de norte-americanos foi Keith Haring, que realizou diversas exposições em museus.
Quando o grafite deixa as ruas ainda é considerado grafite? Parte dos grafiteiros despreza aqueles que estão expondo em galerias de arte, por acreditarem que o lugar do grafite é na rua. Além disso, ao ter retorno com a venda em galerias, o grafiteiro não se tornaria mais espontâneo. Existem ainda os grafiteiros que não acreditam que pintar na rua com apoio financeiro da prefeitura não seria uma produção “autêntica”, com o espírito do grafite tradicional.
Grafite e a lei
A Lei brasileira considera que o Estado deve proibir comportamentos nocivos ao meio ambiente e no espaço urbano. Neste sentido, a pichação pode ser enquadrada como dano ao patrimônio ou crime ambiental.
Apesar disso, a Constituição Federal diz constituir ao patrimônio cultural brasileiro as criações artísticas merecendo especial proteção do Poder Público.
Em 2011 entrou em vigor a Lei Federal que passou a considerar o grafite como uma conduta legalizada (diferente da pichação), desde que exista o consentimento do proprietário, tendo como definição “grafite é a prática que tem como objetivo valorizar o patrimônio público e privado mediante a manifestação artística sob o consentimento de seus proprietários”.
Os pichadores sempre sofreram uma abordagem policial ostensiva. Eles são considerados transgressores e a ilegalidade sempre foi uma questão central na realização dessa atividade.
Apesar do grafite já ser reconhecido pela lei, muitos grafiteiros ainda enfrentam problemas com a polícia e são enquadrados sob a acusação de “poluição visual”, resultando em boletim de ocorrência.
Por Carolina Cunha, da Novelo Comunicação