- Pedro Ladeira/Folhapress
Carne misturada com papelão, frango com absorção de água além dos limites permitidos. Carne com a bactéria salmonela, com data de validade vencida, com produto químico para disfarçar o que já apodreceu. Em março deste ano, foi deflagrada a Operação Carne Fraca, uma ação da Polícia Federal e do Ministério Público para identificar irregularidades nos frigoríficos.
Após dois anos de investigação, a polícia descobriu que fiscais agropecuários do Ministério da Agricultura participavam de um esquema de corrupção - cobravam propina em dinheiro para esconder eventuais problemas com a qualidade do produto que era destinado ao consumo local e também à exportação.
Cerca de 30 empresas foram alvos da Polícia Federal, entre elas, a JBS (dona das marcas Friboi e Seara) e a BRF (dona da Perdigão e Sadia). Logo após a notícia, a população brasileira ficou com medo da qualidade e segurança da carne que estavam comprando nas gôndolas de supermercados.
Alguns países suspenderam temporariamente as importações de carne brasileira - 18 países ou blocos adotaram algum tipo de restrição à importação de carne do Brasil. Com o embargo temporário, em apenas dois dias as vendas de carnes internacionais desabaram de R$ 61 milhões (média diária) para R$ 74 mil.
O governo trabalhou para minimizar os danos e convocou ministros e empresários para estancar a emergência. Segundo o governo, apenas 21 frigoríficos mostravam algum problema, um número considerado pequeno diante de 4.837 unidades de produção animal do Brasil. Isso corresponde a 0,43% do total nacional.
A ideia era provar que se tratavam de casos pontuais já resolvidos, que foram superdimensionados pelos investigadores. Apesar disso, não é possível saber o total de adulterações existentes no país inteiro ou se há casos desconhecidos, pois os frigoríficos não foram todos visitados e não houve uma pesquisa de amostragem para uma estimativa estatística.
Com a falta de dados precisos, a operação policial foi acusada de provocar um estrago na economia brasileira e ter promovido uma comunicação sensacionalista, causando a sensação no consumidor de que toda carne brasileira era imprópria para o consumo.
Em maio, apesar da imagem do país ter sido arranhada pela Carne Fraca e a confiança nas empresas do setor ter caído, a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (ABIEC) divulgou um resultado positivo nas exportações. Ao final do mês de março, houve um crescimento de 22% do faturamento na comparação com fevereiro.
O país da pecuária
O país cria o gado em pasto livre e em vastos espaços. Atualmente a pecuária ocupa 180 milhões de hectares de terras no Brasil. Em 1974, o rebanho brasileiro contava com 90 milhões de cabeças. Em 2016, havia 219 milhões de cabeças de gado, distribuídos em mais de 20% do território do país (dados da Agroconsult). Ou seja, a população de bois é maior do que a humana.
A produção nacional de carne de boi vem crescendo a cada ano e passou de 6,09 milhões de toneladas em 1994 para 9,56 milhões de toneladas em 2015. A cadeia produtiva da pecuária movimenta mais de R$483,5 bilhões e emprega diretamente sete milhões de pessoas em fazendas e indústrias.
Na última década, o Brasil registrou crescimento de 135% no valor de suas exportações. Hoje 20% da produção de proteína animal é exportada para 150 países, o que faz com que sejamos o maior exportador de carnes do mundo.
Infrações de direitos humanos e ambientais
Depois de deflagrada a Operação Carne Fraca, outra operação chamou a atenção: o IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) realizou a operação Carne Fria, que reacende o debate sobre a cadeia industrial da carne e a sustentabilidade.
O órgão interditou 15 frigoríficos do Pará, Tocantins e Bahia por desrespeitarem os Termos de Ajuste de Conduta assinados com o Ministério Público Federal, pelos quais essas empresas haviam se comprometido a não comprar gado de fazendas de desmatamento ilegal e de fiscalizar as propriedades das quais adquirem animais.
As empresas são suspeitas de comprar gado de propriedades em áreas de desmatamento ilegal. Segundo o IBAMA, foram comercializados cerca de 60 mil animais de áreas desmatadas — 84% deles comprados por frigoríficos da JBS. As transações são estimadas em R$ 131 milhões.
O que a produção da carne tem a ver com a preservação do meio ambiente e a ética? O crescimento econômico da atividade implica em maiores áreas para a produção ou em investimentos em inovação para melhorar a produtividade. A primeira opção é a grande realidade da maioria dos produtores, que buscam grandes áreas para o rebanho pastar.
Mas técnicas como a melhora na genética animal, a manutenção e o manejo sustentável do pasto podem dobrar o número de animais na propriedade sem precisar de mais espaço.
No Brasil, a pecuária é o setor que mais contribui para o avanço do desmatamento ilegal na Amazônia - 80% de tudo o que é desmatado na região vira pasto. O dado coloca o setor como o maior vilão do desmatamento de florestas. Muitas das fazendas têm origem em invasões a terras públicas.
O maior desmatador da história recente da Amazônia é o pecuarista Antônio José Junqueira Vilela Filho, que operava um esquema sofisticado que envolvia desmatamento em série, grilagem de terras públicas, lavagem de dinheiro, falsificação e trabalho escravo no Pará.
Em 2016, uma operação prendeu a quadrilha comandada por Antônio Vilela Filho. Segundo o Ministério Público do Pará, o grupo já movimentou quase R$ 2 bilhões em lucros. O empresário é responsável pelo desmatamento de 330km² de área de floresta de Altamira, no sudoeste do Pará, no período de 2012 a 2015. A área desmatada é equivalente ao tamanho da cidade de Belo Horizonte, em Minas Gerais. O prejuízo ambiental foi de R$ 420 milhões.
Violações dos direitos humanos também são comuns em fazendas irregulares. Segundo o Ministério do Trabalho, a pecuária ainda é a atividade econômica com maior ocorrência de trabalho escravo no Brasil, ostentando a maioria de produtores e propriedades flagrados com esse crime. Em 2015, o setor correspondeu a 29% dos flagrantes de trabalho escravo por atividade.
A pecuária também é poluidora. Cerca de 60% das emissões de gases de efeito estufa no Brasil são geradas pela cadeia de produção do setor. Esses gases são responsáveis pelo aquecimento global e podem influenciar nas mudanças climáticas do planeta.
Medidas éticas na cadeia produtiva
A sustentabilidade na cadeia de fornecimento de carne bovina inclui a são saúde e bem-estar animal, produto de qualidade, eficiência e produtividade, uso de recursos naturais, emissões de gases de efeito estufa e segurança e bem-estar dos trabalhadores.
Entender a procedência do rebanho também é outra questão fundamental para as empresas. Novas tecnologias de rastreamento e certificação de qualidade de produtos estão emergindo. A grande promessa é o uso da tecnologia blockchain, que já está sendo empregada nos Estados Unidos para rastrear o caminho de alimentos, da origem ao destino final.
Essa tecnologia dispensa a presença de uma autoridade certificadora, como o fiscal sanitário.
No Brasil, o controle da cadeia produtiva ainda é muito irregular, principalmente na Amazônia. Segundo a ONG Greenpeace, desde 2009 os três maiores frigoríficos do Brasil - JBS, Marfrig e Minerva – que representam hoje algo em torno de 60% do que é abatido na Amazônia – assumiram um compromisso público de rastrear a carne que compram oriunda do bioma. O compromisso assumido é de só negociar carne e couro com fazendas que não recorressem ao desmatamento, ao uso de trabalho escravo ou invasão de áreas protegidas ou indígenas.
Essas empresas representam cerca de 60% do que é abatido na Amazônia. Mas existem outros 40% que são produzidos sem qualquer controle social ou ambiental. Outro problema é o esquema de “lavagem de gado”, que esconde o fato de que o gado tem origem em terras em condições irregulares. Neste caso, o gado faz uma escala em um pasto em situação regular, e a empresa de fachada o repassa ao frigorífico.
Ao menos um frigorífico, o Redentor, no Mato Grosso, teve profissionais autuados na operação Carne Fria por envolvimento na compra de gado de áreas sem procedência garantida. Estão ainda sob investigação os grupos Amaggi, Bom Futuro e a JBS, acusados de realizarem transações financeiras à quadrilha que somaram R$ 10 milhões entre 2012 e 2015.
Por Carolina Cunha, da Novelo Comunicação